Um breve relato da vida de Dona Luzineide, catadora de lixo e moradora de rua em frente à UnB
*Com o apoio de Murilo Gomes e Pedro
Quem normalmente passa pelo final da via L3 Norte, já se acostumou com a paisagem constante que são os moradores de rua em frente à Colina, área residencial destinada aos professores da Universidade de Brasília (UnB). Carroças, barracos e moscas compõem o quadro nem sempre agradável de se ver, e são freqüentes as reportagens sobre o local. Dona Luzineide, catadora de lixo de 44 anos e aparência jovem, diz já estar "enjoada de tirar fotos".
As matérias na maioria das vezes enfatizam a venda de drogas e os maus-tratos com os cavalos. São superficiais e reforçam o estereótipo marginal dos moradores de rua. "Outro dia veio um menino saber se aqui vendia droga, e eu disse a ele: minha vida já é uma droga. A única droga que tem aqui sou eu", reclama a senhora ao varrer parte do papel que revende a uma empresa de reciclagem, pra debaixo de um plástico e "não molhar demais com a chuva".
Cearense, Luzineide nasceu em Missão Velha, mas não se lembra de nada da cidade natal. Foi muito nova para Juazeiro, na Bahia. De lá veio para Brasília e conheceu o marido, mineiro. “Agora moramos nós dois e uma de minhas filhas aqui, mais a menina dela. Moramos não, vivemos nesse lixo aí... mas lá era ainda pior, era muita miséria, a gente tinha uma roupa só pro ano inteiro. Aqui pelo menos as pessoas doam umas coisas de vez em quando."
Ainda assim, nem no lixo ela tem tranqüilidade. "Já me tiraram várias vezes daqui, mas eu sempre volto. Eles vêm, jogam todas as nossas coisas num caminhão, e vão embora." De acordo com Luzineide, nunca ofereceram uma outra moradia à sua família. Se dependesse dela, voltava para a Bahia, mas a família prefere ficar aqui. "Minha neta vai começar a estudar agora, quem sabe não consegue coisa melhor do que catar lixo numa carroça...", diz Luzineide, cética, porém com um quê de esperança.
Seu marido faz três viagens diárias, pelas comerciais do Plano Piloto, atrás de papel, papelão e comida. "O que der para aproveitar, nós aproveitamos. Não temos muita escolha."
Questionada sobre o decreto de 2007 que proíbe os catadores de transitarem com carroças, ela apenas prevê: "Qualquer dia vão querer proibir pobre até de andar, mas enquanto Deus me der pernas eu vou continuar andando". E segue varrendo o papel para debaixo do plástico. Inutilmente, pois a chuva a pingos grossos já chegou.
Um comentário:
Foi muito enriquecedor conhecer de perto a miséria de uma vida. Às vzes, a vida se comunica através de paradoxos. Grandeza de espírito jogada às traças.
Mel, beijos do seu calouro favorito. Murilo Gomes.
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