Estudo de caso: Seqüestro dos jornalistas de “O Dia”, em 14/05/2008
A reportagem seria um estouro: depois de duas semanas inseridos no dia-a-dia da favela do Batan, em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, a repórter, o fotógrafo e o motorista do jornal O Dia tinham material suficiente para delatar a atuação corrupta e ditatorial da milícia controladora daquela favela.
Em apenas sete horas, a reviravolta. Os jornalistas passaram de heróis da notícia a vítimas da Barbárie por eles tanto criticada. Tortura, abuso de autoridade e humilhação foram as armas que os “bandidos que usam farda nas horas vagas”[1] empregaram contra a informação. O Sindicato dos Jornalistas classifica a violência como “um dos mais graves atentados à liberdade de informação”. O coronel José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, aconselha a redução da cobertura das favelas cariocas. Tal redução implicaria em conseqüências bastante delicadas: não seria a violência resultado da marginalização proporcionada pela própria mídia, contra as favelas e periferias? E, assim sendo, uma diminuição da cobertura, ou – em outras palavras - imposição de uma autocensura, não daria continuidade ao círculo vicioso marginalização – violência - marginalização?
Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), coloca que “a missão do jornalista não é morrer, mas não se pode recusar a fazer uma cobertura porque o nosso trabalho é uma atividade de risco. Essa tese de que não se pode cobrir certas áreas significa imposição de autocensura” [2].
Como conciliar, então, a proteção efetiva dos jornalistas e uma cobertura completa de todas as esferas da sociedade? Ou, como coloca o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, como encontrar “um meio de a imprensa cumprir seu papel de informar com responsabilidade garantindo a integridade de seus jornalistas”[3]. Antes de tudo, cabe ressaltar quais os dois principais empecilhos para a uma eventual conciliação: (1) a ausência de interesse comercial na periferia (tanto enquanto público-alvo como valor-midiático), que culmina na falta de cobertura local; (2) e as exceções à regra – apelidadas de “infantaria do jornalismo” – que, sem a menor retaguarda, enfrentam a “missão” [4] de trazer à mídia uma abordagem autônoma e livre da periferia, que difira do estado de “terror e medo” pautado pelo “corporativismo da política, da mídia e da milícia”[5]. Tais exceções, apesar de poderem apresentar resultados heróicos, muitas vezes culminam em tragédias como esta e a de Tim Lopes – a qual completou, coincidentemente, seis anos no dia do ato de repúdio ao seqüestro dos jornalistas de O Dia.
Existem ainda, certamente, aqueles profissionais sedentos por prêmios e grandes furos. Nestes, a busca por reconhecimento e audiência supera escrúpulos e prudência, e qualquer discussão acerca de sua segurança necessitaria outra abordagem. Tratemos apenas daqueles comprometidos com a informação e o interesse público – não necessariamente “do público”.
Medidas como a “instalação de comissões de segurança nas redações, formadas por jornalistas que fiscalizem as medidas de proteção à vida e que avaliem os riscos de cada cobertura”, são velhas reivindicações do Sindicato, “o pior caminho para a imprensa será deixar que a tortura de Realengo atinja o objetivo dos torturadores: calar o jornalismo” [6]. “Para combater o crime organizado, faz-se necessária uma redação organizada”[7]. Esse objetivo só pode ser alcançado quando certos paradoxos forem vencidos: em uma sociedade tecnologicamente avançada como a nossa, onde até cachorros podem ser monitorados, o único impedimento restante à segurança dos jornalistas é o descaso. A famosa falta de interesse econômico.
Falta aos donos e diretores dos meios de comunicação a compreensão desse círculo vicioso: é do interesse da população em todos os âmbitos - economia, segurança, cidadania – que se insiram as camadas marginalizadas na agenda da mídia, e – principalmente – que esse agendamento seja positivo e não reforce ainda mais os estereótipos tradicionalmente transmitidos de criminalidade e pobreza. Somente com inclusão social e a realização de uma política de segurança para os jornalistas empenhados com essa causa, tragédias como a que atingiu os jornalistas do periódico O Dia poderão ser evitadas.
[1] Comunique-se,
[2] O Dia,
[3] Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, em Carta aos jornalistas,
[4]O Dia,
[5] BENTES, Ivana. “Mídia e Política”, Carta Capital,
[6] Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, em Carta aos jornalistas,
[7] Luiz Martins da Silva, Professor da UnB
Um comentário:
Muito bom o texto, Mel.
É importante ressaltar essa parte da falta de interesse da grande mídia, que assume uma bandeira de responsabilidade pública para com seus espectadores, mas que acaba por pautar seus conteudos de acordo com seus próprios interesses (econômicos, nas esmagadora maioria das vezes), marginalizando mais ainda o verdadeiro interesse público, causa desse tipo de problema.
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