quinta-feira, junho 30, 2011

10 centavos


10 centavos, de Cesar Fernando de Oliveira, 2007, 19 min
Um tapa na cara de toda a classe média do país. Nós, que tantas vezes estamos do lado de cá da janela do carro, emburrados por ter que dar algumas moedas ao flanelinha, desta vez nos colocamos na pele negra do cabelo oxigenado, do menino guardador de carros. 

10 centavos, 40 centavos, três reais. Quantias que parecem insignificantes - o troco da balinha, a moeda que caiu e não pegamos de volta – adquirem um valor incrível nas mãos do garoto, que se vira guardando e lavando carros e regando flores. Garantem o seu almoço e a janta do irmão caçula, ao mesmo tempo que desafiam e exaltam a honestidade da criança.

Honestidade que pode até causar surpresa no público, de tão singela e genuína. Inspirado talvez no olhar de Jorge Amado sobre os Capitães de Areia, o filme de Cesar Fernando é um contraste com o retrato criminalizante tão comum dos jovens negros e pobres do Pelourinho e do resto do mundo. Saímos do filme emocionados com a batalha diária desses meninos, mas é insuportável a dor da falta de perspectiva de um futuro melhor. Afinal de contas, lavadores de carro não se aposentam.


Para sentir com os olhos: 10 centavos, de Cesar Fernando de Oliveira

quarta-feira, junho 29, 2011

Flash Happy Society?


Flash Happy Society, Guto Parente, 2009

Uma metonímia. A síntese, em oito minutos, do que representa a nossa sociedade da imagem. No curta completamente experimental, o cineasta mostra como o show - e tantos outros momentos perfeitos para serem aproveitados com amigos, familiares e desconhecidos - perde espaço para a necessidade de se registrar o instante para compartilhar com o mundo, posteriormente.

No universo de câmeras digitais, flashes efêmeros, em cartões de memória infinita, o presente só tem importância se for bem capturado. A música, fim maior de qualquer concerto, é constantemente interrompida pelos flashes. O objetivo passou para o segundo plano. O que importa agora é mostrar para todo mundo que você esteve na festa, com aquelas pessoas e que aproveitou muito. Ainda que não tenha aproveitado nada. Ainda que não se tenha permitido sentir aquele instante, em sua essência.

A crítica, começa já no nome inglês do curta-metragem. “Flash Happy Society”, a sociedade dos estrangeirismos, das aparências, da superficialidade, da falta de originalidade. Será que seremos – ou já estamos! – todos ofuscados por esse flash?!

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sexta-feira, junho 17, 2011

Manifesto da Marcha das Vadias de Brasília






Carta Manifesto da Marcha das Vadias de Brasília – Por que marchamos?
Em Brasília, marchamos porque apenas nos primeiros cinco meses desse ano, foram 283 casos registrados de mulheres estupradas, uma média de duas mulheres estupradas por dia, e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos casos desconhecemos; marchamos porque muitas de nós dependemos do precário sistema de transporte público do Distrito Federal, que nos obriga a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou iluminação para proteger as várias mulheres que são violentadas ao longo desses caminhos.
No Brasil, marchamos porque aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano, e mesmo assim nossa sociedade acha graça quando um humorista faz piada sobre estupro, chegando ao cúmulo de dizer que homens que estupram mulheres feias não merecem cadeia, mas um abraço; marchamos porque nos colocam rebolativas e caladas como mero pano de fundo em programas de TV nas tardes de domingo e utilizam nossa imagem semi-nua para vender cerveja, vendendo a nós mesmas como mero objeto de prazer e consumo dos homens; marchamos porque vivemos em uma cultura patriarcal que aciona diversos dispositivos para reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindo em “santas” e “putas”, e muitas mulheres que denunciam estupro são acusadas de terem procurado a violência pela forma como se comportam ou pela forma como estavam vestidas; marchamos porque a mesma sociedade que explora a publicização de nossos corpos voltada ao prazer masculino se escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar nossas filhas e filhos; marchamos porque durante séculos as mulheres negras escravizadas foram estupradas pelos senhores, porque hoje empregadas domésticas são estupradas pelos patrões e porque todas as mulheres, de todas as idades e classes sociais, sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo da vida, seja simbólica, psicológica, física ou sexual.
No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela possibilidade de sermos estupradas, quando são os homens que deveriam ser ensinados a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homens que se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram um desvio sexual; marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento, várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens aos quais elas não deram permissão para fazê-lo, e todas choramos porque sentimos que não podemos fazer nada por nossas irmãs agredidas e mortas diariamente. Mas podemos.
Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamos antes do casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas de vadias porque ficamos bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, por um ou vários homens ao mesmo tempo, já fomos chamadas de vadias quando torturadas e curradas durante a Ditadura Militar. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.
Mas, hoje, marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações utilizadas para nos agredir enquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, algumas são consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, e por isso somos solidárias a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância, porque tiveram seus corpos invadidos, porque foram agredidas e humilhadas, tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres.
Somos todas as mulheres do mundo! Mães, filhas, avós, putas, santas, vadias…todas merecemos respeito!