sexta-feira, maio 30, 2008

Ensina-me a viver


"A Rodoviária é panacéia de ritmos, sons, cheiros, sotaques, sexos: o céu e o inferno, mancomunados. Vou sempre lá quando o tédio bate - e tudo dói. Naquele lugar, mais que em qualquer outro de Brasília, tédio é abstratíssimo substantivo, invisível, inviável. Saio-de-lá curado, sem dor-alguma, sem náusea-alguma."

Rogério Menezes

quinta-feira, maio 29, 2008

Indiferença: dos males, o pior.

"Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam."

Edmund Burke

quarta-feira, maio 28, 2008

Roteiro: Monólogo de minha morte

[Faço entrada tradicional, com cambalhotas, queda da bicicleta, e truque do lenço que puxa a cueca de fora.]

PALHAÇO DECADENTE - Não tão respeitável público! Dizem que os incomodados é que devem se retirar, mas o que é um palhaço sem seu público? Um Bochecha sem seu Claudinho: sou eu assim sem vocês. [Levo o dedo à boca, mostrando o nojo que tenho dessas coisas]
Dizem também que água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura. E vocês, fantoches da Zorra Total, transformaram meu pobre coração em uma pedra velha e carcomida. [Voz de descaso] “Foi sem querer querendo”, vocês irão dizer. Sem querer minha presença, e querendo minha morte, digo eu.
Querer nem sempre é poder. Eu, por exemplo, queria ficar neste ingrato picadeiro, mas não posso. Que farei eu agora, a cada manhã, sem o doce cheiro de bosta de elefante? [Cara de nojo para o fedor] Sem o bafo da onça e da bailarina? Sem pêlo de mulher barbada em minha marmita?
À noite, meu dia terá sido incompleto, sem o choro desses pentelhos catarrentos, sem as tortas na cara e, principalmente, sem vossos [Expressão de desconfiança] escassos– porém sempre gratificantes – aplausos. Sim, porque de gratificação, só os aplausos, pois salário já tem pra mais de ano que não sinto o cheiro, nem vejo a cor. Sinto só a fome, o frio e a dor.
E com dor me despeço. Do Circo, e portanto, [pausa com olhar panorâmico e profundo sobre a platéia] da vida.
[Morte simbólica com arminha d’água que atiro sobre mim.]

Por Mel Bleil Gallo e Cecília Alvares Côrrea

terça-feira, maio 20, 2008

Seja, ao invés de querer ser!

- Bom dia, flor do dia!

- Bom... quê? Você de novo?!

- Ué, nosso aniversário chegou, né.. quer dizer, teu! Eu continuo com meus cinco aninhos.

- É verdade, cê tá igualzinha ao ano passado. Se tivesse com seis, o cabelo já taria de joãozinho, foi quando peguei piolho...

- Isso! Eu me lembro! Foi o ano da primeira visita. Tu levaste um baita d’um susto!

- Também né, onde já se viu? Parece assombração.

- Mas eu não venho te assombrar, Melzinha... Ao contrário, é pra dar uma luz e ter certeza que tu estás no caminho certo.

- Quem dá luz é poste! Ou mãe...

- Há-Há. Nossa, que piada mais velha. Parece você: 20 anos! Eras, é bom que tu tenhas um prato bem recheado de novidades para me oferecer.

- Ih, tá difícil. Assim, não é que o ano não tenha sido produtivo. Ao contrário: minha psicóloga diz que houve muito progresso; a astróloga falou até do fechamento de um ciclo, e a passagem para o conhecimento interior... Parece que júpiter ia entrar em órbita com Vênus, regido por Saturno.

- Nossa, quanto blábláblá, hein? Quero saber se tu conseguiste fazer aquela bola de hum metro de Bubbaloo.

- Ah! Mas já faz uns três anos que eu te disse que não ia dar. Cê sabe que a Lulu falou que um Bubbaloo equivale a uma refeição inteira... Aí não dá, né?! Tenho que ficar de olho no peso.

- Nossa, não acredito! Mas é verdade, eu reparei que tu deste uma engordadinha nesses anos. Parece que todos aqueles sucos sem açúcar, quilos de legume e arroz integral não ajudaram muito. O que o papai acha disso?

- Ele não se conforma, né! Morre de raiva. Mas eu acho é bem feito... Se ele tivesse deixado ter refrigerante nos meus aniversários, não ia ter criado todo esse prazer pelo proibido. Mas não: só deixava entrar aqueles guaranás Globo. Eca.

- É... mas pelo menos casadinho sempre tinha, que a vovó trazia. Aliás, falando em aniversário, e a festa da pequena sereia, quando é que sai?

- Ah, você só pensa em coisas de criança! Mas pra falar a verdade, esse ano ela sai. Eu até comprei as coisinhas: tem chapeuzinho, brinde, docinhos, pipoca, cachorro quente...

- Puxa, que divertido. Pena que eu não possa ficar... E o que mais tu me contas? E a coleção de selos? O medo de altura? Aquele pé de laranja lima? A criação de feijões? A bolsa amarela? O pacto das amigas para sempre? A coletânea de Legião Urbana e Chico Buarque? As listas dos mil mais e mil menos?

- É, na verdade eu dei uma pausa nessas histórias daí.

- Égua! Por quê?

- É que não dá tempo, tem muita coisa pra fazer...

- Que desculpa mais esfarrapada!

- Ah, e você por um acaso tem a mínima idéia de como é acordar todo dia cedo, dormir tarde, e não conseguir esquecer das contas pra pagar, dos trabalhos pra entregar, dos livros pra ler, das dietas pra seguir, dos amores pra esquecer e da família pra amar?

- ...

- É óbvio que não sabe! Com cinco anos a única coisa que você consegue é cortar a franja no meio da testa e fazer papel de ridícula na frente de todo mundo. Ou então quebrar o vaso, remendar com fita durex, e achar que o papai nunca ia reparar.

- Aí é que tu te enganas. Es tu quem não sabes nada. Eu pelo menos sabia ser feliz: tu pareces ter te esquecido. E se fores esperar teres três vezes 20 anos pra aproveitar a vida e realizar aqueles sonhos de moleca... Já não vais mais ter nem os sonhos, nem a moleca dentro de ti.

- Impossível, posso ter apenas duas décadas, mas tenho todo o sentimento do mundo.

- Sentimento não é igual lamento.

- Nem risada igual à felicidade.

- É Verdade. E agora?

- Bom, das duas uma: ou eu rio menos, ou eu choro mais.

- Não! Chore mais e ria mais. Sonhe mais, realize menos. Pense menos, devaneie mais. Seja, ao invés de querer ser.

quarta-feira, maio 07, 2008

Versinhos

Na revolução dos homens,
Tem porco mais homem que muito cabra.

Estatuto do Mundo de Todo Mundo

Fica decretado que o sol que nasce aqui
é o mesmo que se põe acolá,
Que o calor, a sede e a dor dos filhos daqui
é igual a dos filhos de Alá,
de Jesus e também de Iemanjá,
Que aqueles que matam por terra,
na terra só podem chorar,
Pois a Terra é uma só
onde todos devemos morar.

Fica decretado que dessa terra,
juntos devemos cuidar,
De mãos dadas a caminhar,
os carros pra trás iremos deixar;
Subiremos nas árvores para brincar
ao invés de florestas desmatar;
Encheremos o peito de orgulho,
e não de poluição;
Nadaremos nos rios e mares,
Com medo apenas de tubarão
Mas nada de tóxicos ou comichão.

E quando empanturrados,
de tanto comer McGoiabas e BigMuquecas,
Fica decretado que deitaremos nas redes,
sem ar condicionado, mosqueteiro e repelentes,
Apenas com o vento a cantar em nossas mentes.

Fica decretado que o primeiro papel jogado no chão,
O primeiro átomo de poluição,
O primeiro embrulho de Chicabom,
Assim como o segundo, o terceiro e todos os demais que virão
A partir de agora devem recolhidos,
pra sempre temidos,
e nunca esquecidos.

Fica decretado, por fim, que em nossos sonhos não haverá pesadelos
Com ladrões, bombas e explosões,
Nossas tristezas serão apenas com desamores
ou desilusões.

Pois num mundo que é de todo mundo,
Todos amam e reclamam,
Se alguém algum desses decretos,
Esconde debaixo da cama.